domingo, 19 de outubro de 2014

AUTOMOBILISMO NO CINEMA (PARTE 2) – RUSH: NO LIMITE DA EMOÇÃO (2013)




Cartaz - Rush

Formula 1 e cinema são elementos que costumam andar separados. Lembro de alguns filmes como Alta Velocidade (Driven, 2001), com Silvester Stallone, que em sua pré-produção desejava retratar a F1, mas parece que não houve acordo com Bernie Ecclestone e, portanto, mudou o foco para a Formula Indy. Mais conveniente e apropriado, já que o público americano é sempre o principal alvo das produções cinematográficas de Hollywood. Sempre ouvi falar deste filme, mas ainda não o assisti. Lembro vagamente também que o tema do filme seria Senna, mas igualmente não foi para frente. É mais uma película para se abordar nesta seção em um outro momento.

Filme: Alta Velocidade

Outro filme que lembro com temática automotiva é Freejack: Os Imortais. exaustivamente exibido no Domingo Maior da Rede Globo nas madrugadas dos anos 1990. Lembro apenas que havia cenas de corrida e Mick Jagger e Emilio Estevez estão no elenco. Curiosamente, sempre assistia o início, com tomadas de uma corrida de monopostos (muito similares aos Formula 3), e logo após o acidente (bem improvável, com o bólido decolando e acertando algo como um viaduto (?!?) com uma placa de publicidade). Logo após, surgem personagens do futuro que desejam subtrair o corpo do piloto e vendê-lo a um milionário, que transferirá sua alma para este. Nunca assisti muito mais que isso, creio que à época, os comerciais de Didi Seven, Frigidiet, Clássicos dos Clássicos, Amber Vision, Autoshine e Facas Ginsu, todos do Grupo Imagem (“ligue agora, 011 1406” lembra?), exibidos na TV Bandeirantes, mereciam mais minha audiência. Um filme digno de ser dissecado no blog: http://filmesparadoidos.blogspot.com.br/, que eventualmente acesso.

Trailer Freejack
Vídeo: youtube.com

Finalmente, em 2006, surge o documentário “Senna”. Como já relatado anteriormente, houve uma série de projetos que almejavam retratar a vida e carreira do piloto, mas que não passaram da pré-produção, ou de rabiscos em um roteiro inicial. O filme ganhou força por utilizar vídeos reais da internet, exibições da FIA e algumas exposições inéditas da F1, tornando-se uma bela homenagem. Primeira vez que vi Formula 1 em uma sala de cinema, e que muito em breve ganhará uma postagem por aqui.

 Foto: Filme Senna

Após o filme “Senna”, vejo em 2013 veiculações de publicidade do filme Rush – No Limite da Emoção. Como pretendia assisti-lo, procurei não ler resenhas ou críticas sobre o filme, algo que costumo fazer para ter minha própria impressão sobre o conteúdo. Todavia, aqui em Salvador apenas dois cinemas de Shoppings Centers exibiram o filme, e por curto período. Tão curto (cerca de um mês) que saiu de cartaz e não consegui assistir. Deixei o filme em segundo plano e finalmente, ao final do mês de setembro de 2014, a rede de canais Telecine passou a exibi-lo. Me preparei então para assistir à estreia.


Pelo pouco que lembrava, trata-se de um enfoque na temporada de Formula 1 de 1976, abordando o duelo entre o austríaco Niki Lauda e o britânico James Hunt, juntamente com o acidente que vitimou o primeiro, ocasionando sérias queimaduras.

Trailer Rush: No Limite da Emoção
Vídeo: www.youtube.com

Sempre me interessei pela Formula 1 a partir da metade dos anos 1980, pois nunca me detive sobre os anos anteriores, até por falta de material, quando passei a acompanhar as corridas. Portanto sempre tive certa resistência aos carros dos anos 1970, que hoje apresentam-se bem defasados, em especial em seus designs.

Portanto, assisti ao filme ainda com um pé atrás, mas vamos lá. Expectativas do início de um GP, cenas de Clay Regazzoni e Emerson Fittipaldi (reconhecível pela pintura de seu capacete), largada com chuva, Lauda vs Hunt, primeiro de agosto de 1976, GP da Alemanha.

Daniel Brühl como Niki Lauda

A seguir, voltamos alguns anos para a disputa de um GP da Formula 3. Surge a figura de James Hunt, como garanhão, pegador, aqueles velhos clichês, etc, etc. Lauda está na pista, e é apresentado com um piloto meticuloso, que cinco horas antes da corrida já estava no circuito, conhecendo cada curva. O primeiro encontro de Lauda e Hunt se dá na pista, circuito de Crystal Place. Hunt vomita antes da corrida, o que seria uma marca registrada, em razão do nervosismo. Hunt força pra cima de Lauda que roda. O austríaco, demonstrando desde já seu caráter germânico e pragmático também na pilotagem, questiona Hunt quanto a sua atitude. O britânico o chama de covarde por ter hesitado.

James Hunt


Mais alguns anos e vemos Lauda entrar na equipe BRM (British Racing Motors), fazendo uma série de ajustes no modelo chassi P160 de 450cv, V12 com 600kg. O piloto procura diminuir o peso do carro, orientando os mecânicos a substituírem peças por itens de magnésio. A seguir, pede ao primeiro piloto, o suíço com grandes influências italianas, Clay Regazzoni, que dê uma volta com o carro modificado. Marca 2,3s mais rápido que com o carro convencional, atingindo 275km/h. Regazzoni vai para a Ferrari, mas exige a contratação de Niki Lauda, por sua capacidade e afinco no ajuste dos carros. Enzo Ferrari, fundador da equipe, encontra-se na pista. Neste momento há a impressão que a Formula 1 é apenas um cenário para a disputa que virá entre os dois pilotos.



Niki Lauda e a Ferrari 312T de 1976

Uma cena interessante é a de James Hunt deitado, visualizando uma volta no GP de Mônaco, com cada marcha e velocidade adequadas para cada curva, de modo a melhorar seu tempo. Surge então a modelo Suzy Miller, interpretada pela atriz Olivia Wilde, a Dra. “13” Hadley do seriado House, e que viria a ser a esposa de Hunt, que visava ter um tom mais sério para atrair patrocinadores. Em contrapartida, Lauda desentende-se com Regazzoni ao ir à uma festa da Ferrari, e pega uma carona com Marlene, aquela que viria a ser sua esposa.

James Hunt e Suzy Miller/Olivia Wilde e Chris Hemsworth

Duas passagens bem interessantes nesta carona é que Lauda desliga o rádio e cita diversos barulhos no carro e os respectivos defeitos (correia da ventoinha frouxa, sistema de freios, etc.). E a outra é que o carro quebra e Marlene pede carona e o motorista não para. Quando lauda faz o mesmo, o condutor imediatamente o reconhece e para, sentindo-se lisonjeado que o piloto conduza seu carro.

Lauda e Marlene em Rush

Com seu conhecimento técnico e pilotagem eficiente, Lauda conquista o título de 1975. Para 1976, seu grande rival Hunt fica sem equipe, já que a Hesketh Racing tem problemas financeiros, e deseja a todo custo um assento, comprometendo-se a mostrar uma boa imagem e a aparecer em eventos de patrocinadores. Emerson Fittipaldi vai para a Coopersucar (abandonando o caminho seguro para a disputa de mais títulos em nome do desejo de manter equipe própria) e Hunt assume seu lugar na McLaren.

A temporada começa em, Interlagos, GP Brasil, com todos os estereótipos a que temos direito, com mulatas com roupas de carnaval na pista e Hunt sambando e se vangloriando frente ao austríaco. Lauda diz: “Vamos ver onde você estará após a primeira volta, e após cinco corridas”. Lauda vence e Hunt abandona, alcançando a primeira vitória apenas na quarta corrida, o GP da Espanha.

James Hunt e a McLaren M23

Em alguns momentos, as disputas na pista cedem lugar a passagens sobre a vida pessoal dos pilotos, talvez uma manobra para satisfazer o público feminino e demais espectadores que não são grandes fãs de Formula 1 e automobilismo, a exemplo do que relatei na parte 1 da seção AUTOMOBILISMO NOCINEMA- DIAS DE TROVÃO.

Chega a data do GP da Alemanha, Nurburgring. Dito como um circuito antiquado e inseguro. Um fã pede um autógrafo de Lauda com data, pois caso ele morra valerá mais. Tempo chuvoso, Niki concorda em correr 20% de risco de acidentes em um GP, mas não aceita nem 1% a mais e reúne os outros pilotos para solicitar o cancelamento da corrida, já que o tempo chuvoso amplifica ainda mais a possibilidade de acidentes. Hunt incita os colegas a não aceitarem, visto que o austríaco seria favorecido.

Hunt e Lauda em Rush
                 
A corrida acontece, Lauda e Hunt largam com pneus biscoito (pneu de chuva), mas percebem que pilotos com slick andam muito mais rápido, e param para trocá-los. Ainda há trechos molhados, Lauda bate e o carro incendeia, ficando cerca de um minuto rodeado por chamas, com temperatura de cerca de 420ºC. Hunt vence a corrida e culpa-se pelo acidente, já que Lauda alertou sobre o perigo.

A partir de então, vemos Lauda lutando pela sua recuperação, chegando a receber a extrema unção, enquanto Hunt segue pontuando na temporada. Enxertos de pele têm que ser utilizados para a reconstrução plástica dos ferimentos na cabeça, além de dolorosas lavagens pulmonares, para retirada de resíduos tóxicos e retomada da oxigenação plena. Ainda em tratamento, tenta colocar o capacete, sentindo fortes dores ao fazê-lo.

Após 42 dias, Lauda retorna para o GP de Monza e afirma a Hunt: “Vê-lo ganhar aquelas corridas, enquanto eu estava assim... Você também foi responsável por minha volta”. A Ferrari corre com três carros, já que Carlos Reutemann, que havia substituído Lauda, é mantido na equipe, pelo menos até este GP. Hunt abandona, Lauda chega em quarto, feito bastante comemorado pelos fanáticos torcedores italianos da Ferrari.
 
Brühl caracterizado como Lauda 
                         
Na última corrida, o GP do Japão, Niki está com três pontos a mais que o britânico, que ao contrário do certame da Alemanha, deseja o cancelamento do GP, também por questões de segurança. Mas é claro que os interesses comercias falaram mais alto, com toda a publicidade que o acidente de Lauda e a disputa do título com Hunt promoveram.

Niki Lauda após algumas voltas não aceita correr mais riscos e abandona a corrida, abrindo mão da disputa do título. Um dos gestos que o fez ser lembrado até os tempos atuais. Hunt é mostrado com sangue nas mãos, já que a alavanca de câmbio quebrou. Não sei a veracidade deste acontecimento, mas foi demonstrado. Hunt precisava chegar em terceiro e termina a corrida acreditando que não conseguiu. Ao final da corrida, após o anúncio da classificação oficial, recebe a notícia que obteve êxito, alcançou a pontuação necessária, superou Lauda por apenas um ponto e conquistou o título de Formula 1 de 1976.


Hunt Campeão de 1976

Hunt enxerga os pilotos, que se dispõem a morrer, como nobres cavaleiros. Lauda acredita que se alguém está disposto a morrer nas corridas na verdade já perdeu. Muito provavelmente, caso não houvesse se acidentado, Lauda seria o campeão.

Ao final, Lauda descreve Hunt como um dos poucos que gostava, dos pouquíssimos que respeitava e o único ao qual invejou. Talvez, por serem extremos opostos, um enxergava no outro características que admiram, mas não possuem. O inglês se aposentou após correr até a metade da temporada de 1979, e passou a comentar corridas de Formula 1 pela BBC de Londres. Assisti várias corridas narradas por Murray Walker com seus comentários, especialmente no Justin.TV, que apresentava GPs de anos aleatórios. Apenas agora soube que tratava-se dele. Uma de suas falas, ao comentar sobre Ayrton Senna na liderança do GP do Japão de 1988: "A não ser que haja uma interferência de Deus, estamos vendo o novo campeão mundial".

James Hunt morreu em 1993, aos 45 anos vítima de um ataque cardíaco. Tudo indica que em conseqüência de sua vida desregrada, com consumo de álcool e drogas ao longo de anos. Niki Lauda conquistou mais dois títulos, nas temporadas de 1977 e 1984 (este último graças à patotada francesa que interrompeu o GP de Mônaco quando Senna iria ultrapassar Prost, e os pontos valeram a metade. O austríaco ganhou o título com meio ponto de vantagem para Prost).

Niki Lauda e Ayrton Senna em 1984 
Foto: f1-photo.com

Lauda permaneceu na F1 até 1979, retornando em 1982 e retirando-se como piloto em 1985. Passou então a dar maior atenção à sua empresa de aviação. Nos anos 1990 atuou como consultor técnico da Ferrari, nos anos 2000 passou pela equipe Jaguar e desde 2012 figura na equipe Mercedes, sendo possível vê-lo nos bastidores dos GPs atuais.

Surge então aqui um contraponto de personalidades: vale mais usufruir de um curto período de vida em alta intensidade e a seguir pagar o preço pelos excessos (viver 10 anos à 1000...)? Ou manter-se focado em seus objetivos, dedicando-se completamente ao trabalho e colher os louros em longo prazo (1000 anos a 10)? Eu fico com esta última, mais segura, e não por acaso, aqueles que optaram pela primeira opção, sofreram as consequências.

Niki Lauda atualmente

Dentre os pontos fortes do filme estão: a manutenção dos nomes originais dos pilotos, capacetes, patrocínios e equipes (numa salada que deve ser a aquisição dos direitos autorais), inclusive com trechos mostrando os equivalentes de Emerson Fittipaldi, Graham Hill e Clay Regazzoni. Carros como a mítica Tyrrel de seis rodas e a Lotus preta e dourada com as cores da John Player Special estiveram devidamente retratadas de forma realista, bem como a McLaren-Marlboro; a fantástica atuação do alemão Daniel Brühl, como o austríaco Niki Lauda. Além da caracterização que o deixou extremamente parecido com o piloto e com seus trejeitos, a forma de falar e o sotaque quando vocaliza em inglês foi elogiado pelo próprio (vi apenas exibições dubladas). A atriz Alexandra Maria Lara, também ficou muito bem caracterizada com a esposa de Lauda, Marlene; as tomadas onboard, que deixaram a filmagem bastante realística e a impressão de assistir ao filme em primeira pessoa, o que estimula o fã de automobilismo.




Niki Lauda fala sobre o preparo e a interpretação de Daniel Brühl
Vídeo: youtube.com

O filme adaptou os fatos para o cinema, colocando o embate em estilo épico. Alguns lances parecem surreais, como as longas conversas entre pilotos e a equipe dos boxes, sendo que naquele momento, o que o piloto deseja é voltar o mais rápido para a pista, além do barulho ensurdecedor dos motores não permitir diálogos tão demorados. Não vejo Chris Hemsworth como ideal para interpretar James Hunt, me parece que foi colocado como atrativo comercial, já que protagonizou filmes como Thor.


Brühl e a Ferrari 
Foto: collider.com
                                                      
Não creio que o filme teve grande bilheteria nas salas de cinema do Brasil, mas na TV tem tudo para alcançar melhores índices. O filme pode servir de inspiração para futuros projetos que almejem retratar novas disputas entre pilotos, a exemplo do embate Senna x Prost. Inclusive o brasileiro dizia que gostaria de possuir a técnica de Lauda e a agressividade de Villeneuve combinadas com seu próprio estilo.

Portanto acompanhem: Rush: No Limite da Emoção, atualmente no Telecine.


Referências

2 comentários:

  1. Belíssimo post, meu amigo Faez.

    Você escreve para algum site de criticas de cinema? Se não, pois deveria.

    Continue escrevendo sempre, seus textos são muito bons!

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  2. Escrevo não. Me arrisco apenas por aqui, hehe. Tenho outras resenhas de filmes diversos, devem ir pro face mesmo, em momento oportuno.
    Obrigado, abraço.

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